26 março 2010

De diálogo e fluidez

Fotos: Pio e Ana Clara - Rod Ferreira/Vovô - Divulgação/Felipe - Ana Flor

Em outubro do ano passado, terminado o especial de TV do Tributo ao Delinquentes produzido pelo Beto Fares, Pio Lobato me cumprimentou no estúdio e ali começou a conversa sobre produzirmos algo juntos. Umas semanas depois ele tocaria com o Suposto Projeto no Esquenta do Festival Se Rasgum e assim amarramos um ponto de partida para a parceria. Depois do evento, atropelado por outros projetos o diálogo passou por uma pausa e foi retomado no começo deste ano. Eu já estava tocando com o Felipe Cordeiro e as coisas acabaram se encaminhando para uma mistura de tudo isso.

Na calorenta tarde de 12 de março aconteceu o primeiro encontro dessa formação. Felipe levou uma música que já tinha tocado para mim algumas vezes, feita por ele sobre poesia de Dand M., e Pio e Vovô mostraram o arranjo que estavam trabalhando para Banho de Cuia, do José Maria Bezerra com um certo Emanuel Matos, por acaso, meu pai. Mais do que em qualquer conversa prévia, o entendimento foi mesmo ali, entre instrumentos, microfones e amplificador, incluindo no cenário um violão de cordas muito velhas e uma letra transcrita às pressas e incompleta numa folha de caderno.

Pela naturalidade com que as coisas se desenrolaram, deu pra perceber que os frutos poderiam ser bastante interessantes. Desde o início, o diálogo tem sido primordialmente musical. Mais tocar do que falar. E assim saíram as primeiras gravações: primeiro o registro, depois a autoanálise. Deste jeito, não limitamos as nossas possibilidades e aproveitamos o processo, que aqui pensamos e compartilhamos, deixando de lado o aprisionamento das definições.

Ana Clara

VINHETA PRO DIDI - 13/03/10 Pio




Um dia conversando com o mestre Didi, da banda Aeroplano, percebi que temos mesmos interesses por texturas, sons de guitarra, pedais, ambiências, etc. Daí eu pensei que a gente pode trocar informação sobre isso na prática, fazendo umas vinhetas, trechos curtos de som, sem maiores pretensões.
Gravei uma vinheta usando exclusivamente guitarras buscando testar como essas camadas se comportam, coisas invertidas, diferentes equalizações, enfim, guitarras gravadas em casa e envenenadas com plugins baixados da net.

Pio

DIAS QUENTES - 12/03/10 Felipe, Ana Clara, Vovô, Pio




(Melodia de Felipe Cordeiro sobre poema de Dand M.)

No primeiro dia em que nos encontramos pra tocar, o Felipe veio com essa música praticamente definida, até porque fazia um calor monstruoso, e nesse calor qualquer coisa que se consiga tocar já é lucro De cara a música me lembrou do desenho do Papaléguas Ainda não estou convencido da estrutura mas ela está caminhando.

Pio



Eis, parceiros do Massa Grossa, a letra na íntegra do poeta Dand M.
Vamo que vamo!

Felipe C

DIAS QUENTES (Felipe Cordeiro e Dand M.)


A moeda corrente destes dias cada vez mais quentes
Com que toda essa gente cobra, paga e mente
A água, o vinho, a enchente
A chave da tua própria mente
A teu quarto, a tv, a internet
O medo que sentes de repente

É foda esses dias cada vez mais quentes

A moda decadente deste dias cada vez mais quentes
Toda essa gente sorrindo entre dentes
Acho que vejo Deus, acho que vi um indigente
Um índio, um cyber-punk, um dândi indecente

É foda esses dias cada vez mais quentes

BANHO DE CUIA - 12/03/10 Pio, Ana Clara, Vovô




Banho de Cuia é um rearranjo da música que está no disco de mesmo nome, letra escrita por Emanuel Matos com melodia e arranjo do meu amigo José Maria Bezerra. A versão original contém uns loops de violão que me foram encomendados pelo Zé. Nesse rascunho inicial a idéia é pegar a estrutura pronta e montar algo partindo da guitarra. Uma timbragem limpa com uma base constante. Gosto muito das bases africanas penso que lembra algo assim.

Por enquanto não há baixo.A bateria está com uma divisão marcada, com alguns ressaltos de agudo no chimbal, constância na caixa e marcação no surdo. Gosto muito da formação de rock indie (como chamam hoje o velho trio guitarra, baixo e bateria), é legal ter a sonoridade e fazer algo completamente fora desse contexto.

O microfone condensador ficou muito perto do prato de condução , ficou alto, outra hora a gente grava ela melhor. Vamos tocando o barco...

Pio

25 março 2010

Pra começo de conversa...


por Pio Lobato

Por volta de 97, eu achava que os grupos que faziam música na cidade ganhariam muito mais quando se conhecessem, descobrissem o repertório uns dos outros e deixassem de lado discussões quase xiitas sobre estilo ou estética. Então incluiriam em seus próprios repertórios, sem paranóias ou preconceito, músicas feitas pelo vizinho.
Ao contrário do que muita gente pensa, eu acredito que a cena nasce diretamente da criatividade de músicos, de como se relacionam entre si e como trocam “recados musicais” dentro de uma experiência comum, o resto é natural: gestão financeira, marketing e propaganda são necessários pra qualquer produto, desde um botão, um carro ou qualquer daquelas marcas de cerveja super aguadas que te convencem a beber só porque são mais baratas, isso é o básico, nada além.
Eu e o amigo Tiago Sá decidimos fazer uma coletânea em CD, a primeira da cidade nesse formato, pedimos a alguns músicos e grupos que tinham gravações minimamente razoáveis que cedessem duas músicas cada, o preço final foi exclusivamente para cobrir os gastos com CD’s, papel, tinta e embalagem.
Entramos na coletânea eu, Cravo Carbono, Mangabezo, Iva Rothe, Maria Fecha a Porta (Lu Guedes), Norman Bates e Moonshadow. A coletânea se chamou Massa Grossa e foi feita em CD-R. A capa tinha uma ilustração do livro “Nutrição e Vigor”, um clássico dos anos 60 e 70, o disco vinha ainda num saquinho de papel de pão que compramos numa dessas lojas de variedades. Fizemos uns 30 CD’s que acabaram num dia só, oferecidos num show, o problema é que não me lembro agora quem tocou nesse show.
Hoje faz mais de 10 anos da iniciativa e, enfim, cá estamos nós. Pra lembrar o projeto pensamos em fazer um show, mas os shows dão muito trabalho e acabam em si mesmos (penso eu), então preferi montar algo menos trabalhoso, mais simples e mais duradouro. Daí a idéia do blog, o show virá em segundo plano.
Em 97 queríamos mostrar que havia “bandas produzindo”, hoje esse estágio de divulgação inicial já não é tão necessário. A internet facilitou muito a vida de todas as bandas. Então achei melhor mudar o foco do projeto e chegar mais perto do que é realmente necessário, o que realmente me interessa.
Entre as coisas que mais gosto no trabalho com a música é perceber o processo de como são feitas, como as músicas nascem crescem e (porque não?) morrem, algumas instantaneamente, outras levam meses, anos, algumas são curtas, outras imensas, muitos instrumentos, poucos, partem de imagens , letras, sons, experiências, são cerebrais , devaneios, rompantes, enfim, são inúmeras variantes que tornam toda a história de cada música muito mais interessante.
Pessoalmente, a sensação é semelhante de quando termina o jogo de bola e as pessoas comentam detalhes das jogadas, com o entusiasmo de ter aquele momento pra si, de se exaltar, de comemorar, contestar, de fazer parte daquilo realmente, o momento é seu patrimônio pessoal e ninguém mais o tira de sua vida.
Assim percebo a música. Da mesma forma que o atleta, torcedor, comentarista se envolve no esporte, muita gente se envolve com a música. É quase uma seita, uma devoção, basta ver a forma apaixonada com que os fãs defendem seus artistas, seus ídolos, suas canções, sem sequer tomar conhecimento do processo. Talvez isso não seja nem necessário pra todos, mas só ficaremos sabendo se isso vier à tona, se estiver disponível, ora, há alguns anos atrás também nem existia computador, ou vamos mais longe, caneta esferográfica (o que Camões diria de uma?), portanto só vamos saber se o fizermos.
O comum é tratar do ouvinte como o fim da linha, única e exclusivamente consumidores. Alvo da cadeia produtiva, procedimento que afasta o ouvinte de outro prazer, o de acompanhar o processo. Priva-lhe da participação.
Sabe-se que na quase totalidade do que se escreve por aí sobre música ignora muito de música, escreve-se sobre bibliografia, performance, carreira, influências , estilo, cenário, proposta, etc., etc., etc., tudo e ao mesmo tempo nada, com frequência o trabalho do músico funciona como pano de fundo para construir textos “virtuosos”de um jornalista “cultural” qualquer. Isso realmente não me incomodaria se não fosse visto por quem busca informação sobre música como referência.
Viemos de anos e anos da indústria musical baseada na promoção da música pronta e acabada, dificilmente alguma resenha vai traduzir o processo de construção, está fora do alcance, fora dos contornos tradicionais do jornalismo musical, é um universo que pertence exclusivamente a quem se envolve com ele, quem está de fora está descontextualizado, a crítica musical tem que estar desvinculada da preferência. Esquecer disso gera e consolida bobagens comuns, como aquela em que se diz que “música é dom”. Ainda acho que música é só comunicação.